Espírito de Natal
Gosto
de reuniões de família no Dia de Natal. Essas reuniões, a meu ver,
guardam plena sintonia com o espírito natalino. Não é fraterno que se
reúnam, em torno de uma mesa, aqueles que se amam?
Mas penso nos milhões de irmãos que não podem desfrutar desse encontro. Penso nos que estão presos, nos que padecem em hospitais, nos que não têm nem teto, nem terra, nem pão, nem abrigo. Penso nos que estão excluídos do modelo social e econômico vigente, tão distante da proposta evangélica.
O
Natal de minha infância tinha Missa do Galo à meia noite. Tinha
presépio que os irmãos – todos juntos – montávamos, colhendo pedrinhas e
arbustos nas margens férteis do Rio Itapemirim.
Nos
dias que precediam o Natal vivíamos um clima de espera naquela casa
acolhedora da Rua Vinte e Cinco de Março, em Cachoeiro. Espera do
presente de Natal, dos abraços, dos Avós que vinham comemorar conosco a
grande data.
Sempre visitávamos os presos no Dia de Natal. Aquele, cujo nascimento celebrávamos, mandou que amássemos os excluídos.
O presépio só era desarmado no Dia de Reis.
Eu
sentia uma imensa tristeza quando ajudava a desfazer o presépio de
Jesus. Aquele ato, que todo ano se repetia, marcava o término do Tempo
de Natal.
Não vejo hoje o Cristo como o centro do Natal. Foi substituído pelo consumo, que é o novo deus.
Quero comungar este Natal com todos os oprimidos do mundo, nas suas lutas de dor, de sangue e de vida e com todos os que me revelaram a face de Jesus, no decurso desta vida que já se aproxima da oitava hora.
Jesus
Cristo foi um radical, um sublime radical. Para atender seu chamado
temos de ser como São Francisco de Assis. Se nos falta coragem para
tanto, compreendamos, pelo menos, que o rumo é esse, e recusemos as
mistificações.
Eu
comungo este Natal com os que, junto comigo, batalharam pela dignidade
humana, proclamando o nome de Deus, e os que batalharam por essa mesma
dignidade humana, recusando nos lábios o nome de Deus.
Quero
celebrar o nascimento de Cristo com companheiros dos mais diversos
grupos e organizações que se esforçam para transformar radicalmente este
país: centros de direitos humanos, comissões de “Justiça e Paz”, grupos
de defesa de minorias e segmentos sociais marginalizados, grupos
comprometidos com propostas de transformação social, comunidades
eclesiais de base, grupos cristãos não católicos.
Espero
ter vida para comungar muitos Natais com os que sofrem e com os que se
solidarizam com os sofredores e injustiçados. Quero comungar com todos
estes não apenas o Dia de Natal, mas o cotidiano da existência, lutas e
esperanças, projetos de sociedade, utopias. Sonhar o sonho impossível
que a crença pode tornar sonho real.
João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, Juiz de Direito aposentado e escritor.
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/ 2197242784380520
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