João Baptista Herkenhoff
A cidade é a morada de grande parte
dos seres humanos, neste novo milênio. Mas a cidade não é uma entidade
abstrata, fora do conflito de classes e alheia às injustiças estruturais que
massacram grande parte da humanidade.
Não existem grandes problemas na
cidade para os que podem habitar uma residência condigna, locomover-se de carro
ou em transporte coletivo de qualidade, ter acesso aos serviços essenciais –
educação, saúde etc.
O problema das cidades é o problema
dos que são excluídos da cidade.
A cidade é a síntese das negações de
humanismo que, escandalosamente, dão a tônica do nosso tempo. O advérbio “escandalosamente” não está neste
texto por acaso. A situação de escândalo
ocorre porque a humanidade alcançou padrões de tecnologia que poderiam
assegurar a todos os seres humanos, sem exceção, o direito de reclinar a cabeça
num leito, ao final de cada dia, habitando uma morada digna da grandeza
infinita do homem.
Quem está fora da cidade? Quem foi expulso dos espaços nobres ou de
razoável conforto para as periferias longínquas? Quem convive com o lixo e vive
do lixo?
São pessoas sem nome e sem face, com
direitos negados, marginalizadas, embora portadoras da mesma substância
espiritual que nos irmana a todos.
Milhões de crianças estão abandonadas
nos guetos das grandes cidades do mundo, especialmente no Hemisfério Sul.
Essa anomalia acontece, não obstante
afirme a “Declaração Universal dos Direitos da Criança” que a criança, por falta de maturidade física e mental,
necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção da lei,
tanto antes do nascimento, quanto depois, a fim de que possa desfrutar dos
direitos inerentes ao ser humano e inerentes a ela, criança.
Qualquer estudo estatístico que se
faça vai revelar presença maior de mulheres do que de homens, nas favelas. Uma
simples visita a elas estampa, ao vivo, essa realidade. Isto porque, além de todas as desigualdades vigentes,
pesa sobre a mulher discriminações específicas.
No entanto, a Assembléia Geral das
Nações Unidas, em declaração solene aprovada no dia 7 de novembro de 1967,
afirma que a discriminação contra a mulher,
a limitação de seus direitos, o não reconhecimento de sua igualdade com
o homem, tudo isso é fundamentalmente injusto e constitui uma ofensa à
dignidade humana.
Também as discriminações raciais
desenham o quadro geográfico de uma cidade.
Exceções à parte, não se reserva aos brancos o pior espaço urbano
Não obstante a brutal realidade da
exclusão pela raça, a Conferência Geral da UNESCO aprovou, em 27 de novembro de
1978, uma "Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais".
No seu primeiro artigo, essa
Declaração diz que todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e têm a
mesma origem. Nascem iguais em dignidade
e direitos e formam parte integrante da Humanidade.
Todos os indivíduos e grupos, -
prossegue a Declaração da UNESCO, - têm direito às suas diferenças. Mas o direito à diferença e à diversidade não
pode, em caso algum, servir de pretexto a preconceitos raciais, nem pode
legitimar qualquer prática discriminatória.
Ainda são habitantes preferenciais dos
lugares imprestáveis, no conjunto do espaço urbano, outras espécies de
oprimidos e marginalizados:
a -
o apátrida, o refugiado, o que vive em terra estranha, o migrante;
b -
os portadores de retardamento mental;
c -
os portadores de deficiências em geral.
O fenômeno da exclusão não é casual,
nem resulta de uma suposta seleção que um caduco darwinismo social teima em
sustentar ainda hoje.
O fenômeno da exclusão resulta do
aniquilamento do Direito, da negação da Justiça, da desumanização das condutas,
do esmagamento da Ética.
João
Baptista Herkenhoff, 77 anos, palestrante Brasil afora e escritor. Autor do
livro Escontro do Direito com a Poesia –
crônicas e escritos leves (GZ Editora, Rio de Janeiro, 2010).
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